Entrevista ao fundador da ZIMBRO

22 de Setembro de 2023

Leia a entrevista ao fundador da ZIMBRO, Artur Aleixo.

70 anos de vida, 40 de Espírito Serrano. Mais de metade da sua vida, até agora, foi dedicada à ZIMBRO. Que balanço faz destas quatro décadas?

Eu construo a empresa em março de 1983, depois de já ter tido a primeira discoteca da cidade da Covilhã, o Xa-Na-Na, de 1978 a 1980. Vivia-se o boom das discotecas e de bebidas novas. Por exemplo, na altura o Pisang Ambom teve um sucesso incrível e nós termos a capacidade de fazer algo muito semelhante a isso entusiasmou-nos muito e deu-nos muita força nessa primeira década. Inicialmente foi bastante difícil começar este projeto que começou como projeto de criação de uma bebida, desconhecida há 40 anos. Hoje em dia pesquisa-se na internet e aparecem mil fórmulas, mas na altura era experimentação pura e dura. A equipa que construí e que começou a trabalhar comigo era uma equipa muito boa, muito dedicada, versátil, isso também me ajudou muito a avançar.

Na segunda década, o desafio foi encontrar um fornecedor estrangeiro de natas e fazer uma bebida que na altura era um êxito em todo o Mundo, e continua a ser, que é o licor de natas tipo Baileys ou Carolans. E nós conseguimos fazer aqui uma coisa com muita qualidade, muito aproximada e essa bebida foi também foi uma alavanca muito forte para nós. Aí posso dizer que foi uma consolidação e conquistámos o mercado definitivamente com esse produto. A empresa começou a ter muito crédito e as pessoas até se admiravam como é que conseguíamos fazer o que fazíamos.

Na terceira década foi o continuar da consolidação da empresa, já nas novas instalações. Começámos num vão de escada, numa fábrica antiga onde fizemos uma pequena divisão onde começámos a produzir. No início enchíamos as garrafas manualmente, mas depois adquirimos uma máquina numa falência, uma máquina de enchimento rotativa. Foi uma altura muito engraçada, com muitas peripécias, mas permitiu-nos dar um grande salto e consolidar o nosso projeto. Depois comprámos uma máquina de enchimento com 8 bicos, que funcionava por gravidade, isso também foi muito importante.

Quando viemos para o Parque Industrial do Tortosendo, fomos os primeiros a instalar-nos aqui, numas instalações novas, feitas de raíz, o que foi também um salto muito grande na consolidação da empresa. O Parque Industrial do Tortosendo ainda não existia, havia apenas um projeto, existia aqui um lameiro, não havia ruas, não havia esgotos, não havia água, não havia luz e eu consegui trazer para aqui tudo aquilo que eu precisava. Começar a trabalhar aqui numas instalações novas foi um passo muito importante para o nosso sucesso. Houve muita gente, nomeadamente os bancos, a desconfiar deste projeto, já era um investimento bastante grande e estavam relutantes – na altura, para a minha dimensão, era um bocado arrojado -, mas houve uma pessoa decisiva que me apoiou bastante para eu dar este salto. Essa pessoa foi o Sr. José Fernando Figueiredo, da SPGM, agora Banco de Fomento, que dava garantias a projetos que os bancos não apoiavam. O escritório era no Porto, eu fui até lá e o Sr. José recebeu-me e eu apresentei-lhe os meus projetos e convenci-o da bondade dos mesmos. Ele acreditou de tal forma no projeto que veio do Porto cá abaixo, eu já tinha posto as máquinas de terraplanagem no terreno, já tinha avançado, porque vi da parte dele que haveria uma grande possibilidade de se ir para a frente com o projeto e passou-me uma garantia bancária. Esta foi uma etapa também muito importante e a partir daí tudo começou a entrar numa nova fase de processos mais rigorosos. Entretanto comprámos a primeira linha de engarrafamento, em Itália, fui até lá porque precisávamos de uma linha muito específica que fosse facilmente ajustável às várias garrafas, cápsulas e rótulos que nós tínhamos e isso também foi muito importante. Agora tínhamos uma fábrica pensada e orientada para a produção de licores e espirituosas.

Com tudo isto começámos a ganhar à concorrência muitos pontos e começámos a penetrar no mercado com uma equipa muito boa. A equipa que está na produção está comigo desde o princípio, a equipa que está no escritório também, a de vendas idem, e isso também é muito satisfatório para mim, ter uma equipa que perdurou ao longo dos anos, colaboradores que foram fundamentais para o nosso sucesso.

 

Há 40 anos, o que o motivou a começar no negócio das bebidas alcoólicas?

Quando tive a discoteca, pela primeira vez comecei a ter contacto com bebidas, com mistura de bebidas, com cocktails, com a construção de uma bebida e, embora, tudo o que estivesse ligado à produção de bebidas fosse, na altura, considerado um segredo, algo que as pessoas não divulgavam porque era um segredo mesmo bem guardado. O fascínio por determinado tipo de bebidas permaneceu no meu espírito ao longo de toda a vida. Lembro-me, por exemplo, de uma bebida que era o Saabra, que era um licor israelita de chocolate e laranja, e que passados 40 anos propuseram-me um projeto para essa bebida e eu tinha gravado ainda na minha memória o seu sabor. Tudo partiu do meu espírito de fazer coisas novas, diferentes, para além de ser professor.

 

Suponho que já não seja o que o motiva hoje, tendo em conta toda a evolução do mercado até ao presente.

O fascínio de uma bebida e da construção de uma bebida é algo que perdura, que não se apaga. Mesmo ao fim de 40 anos tenho sempre a ideia de fazer algo novo, diferente, de construir algo diferenciador, por isso mantenho o mesmo espírito de me aventurar em projetos novos e portanto, é como se estivesse há 40 anos atrás a começar, é a mesma coisa, não há grande diferença.

 

Ao longo de todos estes anos com certeza que se deparou com muitos desafios. Qual o maior desafio com que se depara no dia-a-dia da sua gestão?

Para mim o maior desafio é entrar na era da digitalização e tornar o negócio digital, com as novas tecnologias, esse é um grande passo a dar. Embora eu costume dizer que sou da idade da pedra, comecei a minha formação primária precisamente a escrever numa pedra, com um giz, e neste momento estamos numa idade digital, da informação, da comunicação, esse é o futuro e o desafio da empresa vai ser esse.

 

Que valores/características considera que foram fundamentais para manter a empresa no mercado até aos dias de hoje?

Acho que é muito importante o valor do estoicismo, aquela ideia estoica da persistência e de ter até algum prazer no sofrimento, essa coisa de todos os dias me cair algo em cima para resolver e dizer assim “Não me vão vencer, não me vão curvar, eu vou dar a volta”, porque no meio de todo este processo de 40 anos houve grandes adversidades, não foi um caminho fácil. Esse sentimento de superação, de me superar e superar os obstáculos foi muito importante. Não abdicar dos meus projetos, das minhas ideias, daquilo que eu considerava ser o bem e bom para a empresa.

E também o valor da família. Esta empresa continua, ao fim de todos estes anos, com toda a evolução que teve, uma empresa familiar, as relações são relações de afeto, onde há um relacionamento humano muito importante entre as pessoas, que valorizo muito. Dá-me muito prazer que as pessoas estejam envolvidas e haja espírito de equipa.

Por fim, a ideia de inovação, de fazer coisas novas, diferentes, de experimentação.

 

Diria que a inovação é uma das estratégias de gestão da empresa?

Eu tenho a ideia que, por um lado, temos de ir atrás daquilo que o mercado pede, mas por outro lado, temos de ir à frente do mercado, esse também é o grande desafio, ir à frente, liderar o mercado.

 

Já falou várias vezes da equipa, considera esse o fator mais determinante para o sucesso da empresa ou há outros?

Considero que todos são determinantes, não é só esse, nem a criatividade, nem a emotividade, nem a criação, arriscar também é importante, muitas vezes não olhar para as regras – temos que obedecer a regras, naturalmente -, mas ir um pouco mais além, sempre à frente, o que até me levantou muitos problemas ao longo da vida. Aliás, quando eu abri a discoteca na Covilhã tive a cidade toda contra mim, já lá vão 45 anos, a cidade toda contra um professor que tinha aberto uma discoteca. Quando se deu o 25 de Abril eu estava em Lisboa a estudar, mas quando vim para cá dar aulas o 25 de Abril ainda cá não tinha chegado. Mas, olhando para trás, o balanço que faço é excelente e teria feito quase tudo igual, talvez uma ou outra coisa não, mas é com muito prazer que me recordo desses tempos que vivi, das aventuras, todos os caminhos que tracei, tudo isso foi muito interessante. 

 

Qual o produto, ou quais os produtos, de que mais se orgulha até ao momento?

Aquele de que mais me orgulho, efetivamente, é o Licor Serrano. Quando eu comecei não havia nenhum produto virado para a Serra, apesar de já haver muito turismo por causa da neve, e a Serra da Estrela foi algo sempre muito interessante a nível turístico, só que era um turismo muito massificado, muito o que se chama de “turismo do garrafão”. Mas mesmo para esse turista não havia no mercado nenhum produto ligado à Serra. Isto foi também muito decisivo para a empresa, criar um licor serrano que juntasse algo de muito artesanal – na altura a aldeia de Gonçalo era a capital do vime em Portugal e nós empalhávamos as garrafas lá -, pelo que começámos por estudar uma garrafa empalhada, depois usar o leite, na onda dos licores de natas, mas com características diferentes no sentido em que se associava ao leite o zimbro selvagem da Serra da Estrela e mais alguns aromas e ervas muito característicos aqui da zona. Esse foi um produto emblemático porque pela primeira vez se construiu um produto da Serra da Estrela, em que a imagem central é o Cântaro Magro. Esse produto teve muito sucesso porque na altura a moda eram esses licores de natas. E até agora o produto mantém-se com um vigor e uma energia bastante interessantes.

 

Nos últimos houve uma grande aposta em produtos premium feitos com os recursos endógenos da zona onde nos encontramos. De certa forma também representou uma viragem da estratégia da empresa, correto?

Essa é outra fase da empresa, a última. Na última década os meus filhos entraram na empresa, tanto o Bruno como o André, com ideias novas. Uma empresa relativamente pequena como a nossa decidiu arranjar alguém na área da comunicação – conheço poucas empresas aqui, mesmo empresas grandes, que tenham uma pessoa quase exclusivamente na área da comunicação, da conceção -, e realmente esta equipa nova começou a dar uma nova imagem, uma nova roupagem aos produtos e também trouxe uma nova ideia de que já que estamos aqui numa zona tão rica da cereja, do zimbro, do medronho, de produtos que são tão importantes nas nossas bebidas, porque não orientarmos o nosso foco para produtos únicos e exclusivos, mais artesanais. Nós já tínhamos uma destilaria, que estava a funcionar, mas na altura da pandemia adquirimos uma destilaria topo de gama na qual produzimos esses produtos, como o nosso gin, o Wild Snow Dog, as aguardentes de medronho, de mirtilo, produtos completamente novos que efetivamente nos diferenciam no mercado.

 

O Wild Snow Dog também foi um ponto de viragem para a empresa, sendo o primeiro produto de gama mais alta.

Foi, e aí os meus filhos tiveram um papel decisivo porque eu era um bocado cético quando aquela onda do gin aparece. E essa onda foi de tal forma que aina hoje permanece e ainda hoje tem muita importância na nossa empresa.

 

Com a sua idade já podia estar reformado. O que o move? Ainda pretende trabalhar muitos anos?

Se temos prazer naquilo que fazemos não é um trabalho, é uma satisfação pessoal e para isso o conceito de reforma não existe. Portanto não penso nisso.

 

Que ambições ainda tem para a ZIMBRO?

É um bocado pretensioso da minha parte, mas nós queremos, na próxima década, até aos 50 anos, liderar o mercado da produção de bebidas espirituosas de qualidade em Portugal, ser mesmo líder em Portugal. Conto com a equipa que tenho, uma equipa excelente com pessoas que já trabalham comigo há mais de 30 anos e conto com a juventude que está a entrar na empresa, que estão a ter um papel preponderante, e seria gratificante nos 50 anos sermos líderes da produção de bebidas espirituosas em Portugal.

 

Como gostava de ver a empresa daqui a 40 anos?

Gostava que os meus netos continuassem com a empresa e dissessem “na década de 50 do séc. XX nasceu um homem que fundou esta empresa e nós somos a terceira geração”. Gostava que me contassem essa história e que eu tenha ficado na história e seja recordado como alguém que construiu algo do zero.